Desafios de uma gestão escolar inovadora

 


    A gestão sempre é um desafio. A gestão escolar, talvez, seja o maior deles, pois cada escola é um sistema único e altamente complexo. Há inúmeras questões em jogo: perfil das famílias, do corpo docente e discente, objetivos da instituição, cultura escolar, mercado etc. 
    Apesar de estar há quase 20 anos na educação, trabalhei em poucos lugares, mas quase todos tinham algo em comum: uma gestão engessada e bem distante da realidade da sala de aula. Todas as decisões eram todas por gestores que mal víamos (alguns nem conheci) - e não estou falando apenas de reitores ou diretores aqui. Falo também de orientadores pedagógicos ou coordenadores de segmento que eram completamente distantes do cotidiano escolar. Resultado disso: várias decisões tomadas de forma inadequada que levaram apenas ao descontentamento generalizado da comunidade escolar. Muitas vezes, essas decisões duravam um bimestre ou um trimestre apenas. Voltavam atrás. Geravam grande transtorno a todos e tudo poderia ser evitado se alguém tivesse consultado a linha de frente, ou seja, nós professores.
    Trabalhei em dois tipos de instituição: as que são avessas a mudanças e as que querem mudar tudo do dia para noite. Apesar de parecerem completamente opostas, a gestão tristemente as une. Além disso, ambas falham miseravelmente na missão de educar de forma integral. 
    Em uma dessas instituições, de ensino de massa com inúmeras filiais, tudo era sempre igual: ensino tradicional e focado nos vestibulares e ENEM. Competências e habilidades socioemocionais completamente ignoradas. Alunos separados por desempenho. Uma tragédia do ponto de vista humanitário, pois alunos eram apenas números em um ambiente estéril. O lema era competir, "aos vencedores as batatas". Mudanças ali não eram permitidas. Alguns coordenadores pedagógicos, por mais que tentassem, nunca conseguiram mudar aquilo. Tenho amigos ainda lá que me relatam que tudo continua igual: giz e saliva, sem a permissão para trabalhar em grupos. Metodologias ativas nem pensar. Colégios nesse perfil usam carteiras universitárias desde o Fundamental e, muitas vezes, as carteiras são pressas no chão. A gestão quer somente números: aprovações. A distância era tanta entre os gestores e os professores que um deles pediu para que eu saísse do anfiteatro, uma vez que "ali era uma reunião de professores e alunos não eram permitidos". Quando respondi que era professora da casa há cinco anos, ele perguntou para meu coordenador porque estavam contratando crianças... eu tinha 30 anos na época. 
    Na outra instituição, que era religiosa, fui muito feliz com gestores muito acolhedores e próximos dos funcionários. Eu não sentia medo dos meus diretores, por exemplo. A palavra é "medo" mesmo. Sentia-me em uma comunidade de aprendizagem. Entretanto, em uma das trocas de gestão, a escola passou por uma reformulação muito disfuncional. Do dia para a noite, queriam um colégio totalmente diferente. A cultura escolar ali vigente foi completamente ignorada. Creio que de todos os erros que uma gestão pode cometer eis o maior. A reitora e a diretora pedagógica, completamente intransigentes, implantaram ali a gestão do terror e do silêncio. Desqualificar o trabalho dos professores virou regra. Todos tinham medo. A maioria dos funcionários foi mandada embora porque, na visão delas, não valia a pena investir nas pessoas. Uma escola que não acredita na aprendizagem é um desserviço à educação. Dali, fui mandada embora na volta da minha licença gestante: "agora você tem outra prioridade, né? Você se afastou numa época de grandes mudanças e não há mais espaço para você aqui". Uma instituição católica, que vende a imagem de uma formação humanista, ser pautada por uma gestão assim é vergonhoso. 
    Fiquei muito receosa no início do módulo de gestão aqui na pós-graduação em Metodologias Ativas no Singularidades. Afinal, nossa professora, a Fábia Helena C. Antunes, é uma das diretoras de um colégio bastante conhecido no mercado. Eu, como professora de Língua Portuguesa, já havia me questionado sobre o termo "inovação" no título dessa disciplina (Gestão para uma educação inovadora). "Inovação" é equivalente "semântico" de tecnologia? É isso? Vamos aprender a usar ferramentas para otimizar o tempo? Fiquei com receio de ser algo na linha "coaching". Eram perguntas que já havia feito para mim antes do início de nossas aulas.
    Só posso dizer que fiquei encantada com a Fábia. As aulas dela foram muito significativas para todos nós. Ela, ao contrário da maioria dos gestores que conheci, tinha algo que considero muito valioso em um gestor: a escuta. Ao acompanhar o chat durante as aulas, li tantos relatos de gestões abusivas e adoecedoras que me mostraram que muitas experiências negativas que tive eram recorrentes em diversas instituições escolares. O sentir-se desrespeitado era comum - parte do cotidiano de quem trabalha na área educacional neste país. A Fábia, sempre muito generosa, ouvi-nos com atenção e nos mostrou as dificuldades de ocupar uma posição que lida com tanta complexidade. Eu, nos anos em que fui coordenadora de área, sempre valorizei a escuta do grupo. Sei que não fui perfeita, mas a maioria dos professores que coordenei até hoje conversam comigo e me indicam quando há vagas nas instituições em que agora trabalham. Isso me deixa orgulhosa do trabalho que realizei.
    Ademais, algo muito dito pela Fábia foi a importância de ouvir a todos e de nunca levar as críticas para o lado pessoal. Em uma comunidade escolar, a comunidade precisa ser aprendente e se autoavaliar com frequência. Erros acontecem e precisam ser ressignificados para que o grupo como um todo aprenda. A educação, segundo ela, não pode ser um trabalho de estrelas solitárias. É um trabalho de um grupo que ensina e aprende constantemente. Ter uma visão macro da escola e de toda a comunidade que a compõe  - além do próprio mercado educacional - é imprescindível. Sua proposta de avaliação do módulo foi muito interessante: a produção de uma rubrica para o nosso curso de Metodologias Ativas - adoro esse tema.
    A escola hoje está se reinventando. Ela precisa para sobrevir se manter na linha tênue entre inovação e tradição. Há muitas mudanças em curso, mas qual a velocidade de mudança das instituições? Como gerir a comunidade escolar e ter uma visão ampla de todas as relações que permeiam esse espaço tão vital para todos nós? Não há respostas certeiras para isso. Lidar com pessoas é bastante desafiador justamente por isso. Cada escola tem uma cultura que pauta sua existência. Primeiramente, é preciso conhecê-la e saber se seu perfil é adequado para aquele lugar. Creio que é algo vital em todas as áreas, não só na educação. Já recusei propostas de trabalho porque havia muita distância entre mim e aquela cultura escolar.   
    Foi a matéria que mais me motivou a comprar livros: gestão de pessoas, planejamento de currículo, avaliação etc. Reli a Pedagogia do oprimido também - Paulo Freire é genial. Foi segurando essa obra que a professora encerrou o módulo: a inovação na gestão é aquela que liberta. É aquela em que todos aprendem. 
    Achei tão interessante olhar a escola por essa perspectiva macro que me interessei por produzir meu trabalho final relacionado a esse módulo. De todas as lições, de todas as leituras pedidas, o que ficou mais marcante para mim foi a importância da humanização da gestão por meio da escuta. Em um mundo coisificado como o nosso, em que há metagoge dos produtos e a reificação do social, a humanização da educação é a grande inovação da gestão. 
    





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